Monday, August 07, 2006

Festival Intercéltico de Sendim


E vão para sete as edições do Intercéltico de Sendim!

Sendim fica no fim de Portugal, senfim... A viagem desde Faro é longa, muito longa... O que obriga a sair de casa de mochila às costas ainda antes do Sol acordar. Saindo na sexta-feira de Faro tive que apanhar o comboio das 6:45 da manhã até Lisboa onde partilhei boleia com amigos (com direito a paragem na Covilhã para recolher mais um). Uma prova da litoralização do nosso país, e a demonstração do afastamento mais do que geográfico do interior. Como adepto incondicional dos transportes públicos, em especial do Caminho-de-Ferro, quer por motivos ambientais e ecológicos quer por motivos mais românticos e de puro prazer, tentei a todo o custo planear a viagem de outra forma, mas infelizmente este interior está muito longe das grandes cidades, e o carro acabou mesmo por ser a única solução viável. Mas nem a distância temporal mantém afastados alguns milhares de pessoas que todos os anos se deslocam a terras sendinenses em busca de uns dias de festival que assegura muita animação e diversão.Mas tudo isto para ver uns concertos? Concerteza que não! Sendim tem habituado a excelentes cartazes, e a música será sempre o cerne que prende as gentes. Mas muito mais atrai forasteiros, mesmo de sítios longínquos como do Algarve. Mas em relação a isso já voltarei, porque é pela música que vou começar.


Cartaz de luxo, em espanhol...

Foi sem dúvida das críticas mais ouvidas desde que o cartaz foi conhecido. Grandes nomes viriam a Sendim, mas quase todos de terras vizinhas. Excepções apenas os irlandeses Lúnasa e os portugueses Gaiteiros de Constantim e o Célio Pires (ambos de Terras de Miranda). Muito pouco entre uma dezena de grupos vindos do país vizinho. Um cartaz que nos fazia perguntar de que lado da fronteira fica Sendim. Quanto a isso não há dúvidas, apesar de este ano o Intercéltico ter transposto essa fronteira e “invadido” terras espanholas na localidade próxima de Fermoselle logo no dia de abertura (novidade deste ano que começou assim um dia mais cedo). Com este cartaz e a deslocação a Formoselle duas coisas poderiam ser conseguidas: mostrar bandas desconhecidas do público português e atrair público espanhol. Agradar a espanhóis e a portugueses. Fica a dúvida se tal foi conseguido. Não dou geralmente muita importância a críticas de Velhos do Restelo como as que se insurgiram de forma por vezes exaltada e até insultuosa desde há uns meses atrás, mas o que é certo é que a frase mais ouvida no final do Festival era “foi muito bom, pena não haver mais grupos portugueses”.


O som do Intercéltico

O Festival começou na quinta-feira em Fermoselle, dia a que não pude assistir. Encontrava-me ainda em Faro a fazer a emissão do Sopa da Pedra. Por terras de Sendim começou na sexta-feira com o Célio Pires o qual infelizmente não pude assistir. Com a chegada tardia após a longa viagem, descanso, montagem da tenda no campismo e jantar, quando cheguei ao recinto já o concerto tinha terminado. Ficaram assim goradas as minhas hipóteses de assistir ao (único) concerto de um português. Seguiram-se os Hexacorde com a Vanessa Muela (de Castela/Leão), que lançaram o álbum de estreia (Perpetuum Mobile) em 2004 e que deram aqui o primeiro concerto em Portugal. Um concerto em que os castelhanos demonstraram para além da coesão e da imaginação musical, muita alegria tanto musical como cénica. Uma boa presença em palco que vinha abrir as hostilidades para os irlandeses Lúnasa (na foto). Ora se os grupos irlandeses são conhecidos por serem normalmente “aborrecidos” em palco, por muito bons que sejam musicalmente, estes senhores então não devem ser irlandeses, porque estiveram muito bem em palco, transmitiram muita emoção para o público, e tocaram boa música denotando muita entrosamento e experiência. A maturidade do grupo aliou-se ao espírito inovador com que a banda fugiu a esquemas mais vulgares na música irlandesa. Refira-se a presença de um Contrabaixo na linha de frente, instrumento pouco usual em terras de St Patrick (pelo menos na tradicional). Foi daqueles concertos onde não poderá haver nada a apontar, a não ser obviamente que se comente a música irlandesa em geral, porque os Lúnasa não falharam, e acabaram a noite em grande. Noite que seguiu em romaria até à Taberna dos Celtas para animadas sessões até de madrugada...

O sábado trouxe três nomes de Espanha. Para começar a noite os Mielotxin (de Navarra) talvez a banda que mais curiosidade tinha em ver, e que surpreendeu tudo e todos com o que foi (na minha opinião, logicamente) um dos melhores concertos deste Festival (sempre subjectivo). Num estilo musical e postura bastante descontraídos e alegres, os Mielotxin (na foto) adiccionaram à excelente sonoridade, bailarinos trajados a rigor que deram uma cor muito grande ao espectáculo. E foi precisamente um espectáculo, completo, não apenas um concerto, que trouxe um cheirinho muito grande, a Portugal, da cultura Navarra e Ibérica. Mielotxin que abriram os ânimos para os aclamados Berrogüetto, os Galegos que toda a gente ansiava por ouvir, e que estão este Verão em Portugal para diversos concertos. Este ano lançam o 4º álbum da carreira e bem demonstraram a experiência num belo concerto com excelentes músicos, todos eles, excelentes temas, boa imagem. Faltou a meu ver um bocadinho de diálogo e de intimidade com o público (estes sim, pareceram por momentos uma banda irlandesa em palco), mas que o público soube responder ao fazer a festa e desfrutar da belíssima música destes virtuosos músicos. Quem parecia estar condenado? Hevia! José Angel Hevia, tão odiado por uns tão amado por outros, tão polémico por usar gaitas midi... Hevia tinha uma tarefa ingrata por um lado, ao tocar depois de Mielotxin e de Berrogüetto, e facilitada por outro, com sonoridades mais electrónicas para final de noite. Hevia cometeu o sacrilégio de conspurcar um dos instrumentos mais simbólicos da música folk: a gaita-de-foles. Construiu uma “coisa” electrónica que por vezes soa a gaita-de-foles, outras a violino ou a flauta. É certo que por vezes é confuso ver uma gaita em palco com sons tão variados, mas também é certo que Hevia é um excelente músico, e toca a gaita midi de uma maneira brilhante. Mas acima de tudo não se fica por aqui. Também toca a gaita tradicional como poucos tocam e está acompanhado por bons músicos em palco. Surpreendeu ainda pela capacidade de comunicação com o público, sempre falando entre músicas, contando histórias, uma ou outra piada. Tudo junto fez do concerto de Hevia uma belíssima maneira de encerrar o Festival no recinto. A cereja foi o tema que José Angel tocou apenas acompanhado da irmã (percussinista) Maria José, absolutamente fantástico!


Sempre muito público presente em Sendim

O recinto esteve bem montado, com bancas de bebidas e com a famosa banca do Licor Celta, ricamente acompanhadas de bancas de venda de produtos culturais da região e de bancas de venda de CD’s de música folk. Um bom complemento para o Festival.
O palco não fugiu ao resto com boa estrutura e som de alto nível. Esteve bem a organização na transição entre bandas que nunca demorou demasiado tempo. Deveria no entanto ter havido mais liberdade nas actuações e encores, mesmo que implicasse alguns atrasos. Afinal de contas ainda não somos ingleses... Mas está de parabéns esta organização, que no sétimo Festival, em vez de se acomodar, aperfeiçoa de ano para ano.


“Um Celta nunca dorme!...”

Um Festival Intercéltico como o de Sendim atrai sempre gente muito diversa, que terão o gosto pela música folk, ou nem por isso. Mas durante estes dias quem por lá está vive intensamente o Festival. São muitas emoções certamente acompanhadas com muito líquido refrescante o que faz as pessoas sonharem e divagarem. Sentimentos em relação à terra, às tradições, às gentes e aos povos, às paisagens, aos sons, aos cheiros e às cores, vêem em força ao de cima, mesmo para aquelas pessoas que vivem numa cidade qualquer e passam finais de tarde às compras num centro comercial. Aqui não, aqui comunha-se com a natureza, com as tradições, com o passado. Isto será o principal do Festival, é o sentimento geral que se vive, não apenas no recinto, mas por todo o lado, quer seja nos cafés, no rio, ou no campismo. É estar dentro da tenda e ouvir um jovem ébrio para o outro: “Quê, vais dormir? Um Celta não dorme!...” O campismo torna-se uma zona de comunhão e de confraternização. São uns milhares que andam por ali, mas pertencemos ao mesmo, somos todos do “mesmo lado”. Este sentimento por si só faz o Festival. Mas é incomparavelmente melhor quando ele decorre em Sendim! Com estas gentes, este acolhimento, esta paisagem, estes cafés, este rio para refrescar com um mergulho a meio da tarde. Porque isso é o melhor em Sendim, é o sucessivo desenrolar de acontecimentos. Não é possível acompanhar tudo o que acontece. Mesmo não dormindo há sempre coisas que decorrem em simultâneo. Actividades organizadas, exposições, workshops, passeios, sobrepõem-se à constante música que se ouve por todo o lado por todo o tempo. Gaitas por todo o cantinho, em grupo ou isoladas, com público ou sem, não se cansam, nem cansam. E esta é a verdadeira música popular, tocada pelo povo para o povo!Os concertos funcionam quase como um intervalo nesta diversão livre, pois logo a seguir vêm as noites na Taberna dos Celtas. Estas são indescritíveis! Milhares de pessoas dentro e fora do pavilhão, música lá dentro, e cá fora em cada esquina uns gaiteiros, tudo sem parar até alta madrugada (alguém chega a saber a hora a que tudo acaba?).
O Festival encerra no domingo com uma missa, talvez para muitos confessarem alguns pecados. Pois eu terei um pecado a confessar, se para o próximo ano não estiver em Sendim!...

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Eu estive lá. E agora com novas estradas pelos lados de Sendim vai ser mais fácil chegar lá para o ano.
Cumprimentos

12:32 AM  

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